sexta-feira, maio 04, 2007

Sobre os pecados que se têm que evitar, suas raízes e consequências

Como ensina São Gregório Magno e depois de ele, São Tomás, os pecados capitais de vanglória ou vaidade, preguiça, inveja, ira, gula e luxúria não são os mais graves de todos, pois são menores que os de heresia, apostasia, desespero e ódio a Deus; mas são os primeiros a que se inclina o nosso coração e conduzem nos a afastarmo-nos de Deus e outras faltas ainda mais graves.
O homem não chega de repente a uma perversidade absoluta, senão pouco a pouco. Examinemos primeiro, em si mesma a raíz dos sete pecados capitais. Todos eles se originam no amor desordenado de si mesmo ou no egoísmo, que não nos deixa amar a Deus sobre todas as coisas e nos inclina a apartarmo-nos de Ele. É evidente que pecamos, isto é, que nos desviamos de Deus e nos alheiamos de Ele cada vez que nos inclinamos a um bem criado de uma maneira não conforme com a vontade divina.
Isto só acontece como consequência de um amor desordenado de nós mesmos, que vem a ser assim a fonte de todo o pecado. Por conseguinte, não só é necessário moderar esse amor desordenado, o egoísmo, como é preciso mortifica-lo, para que ocupe em seu lugar o amor ordenado.
Enquanto que o pecador em estado de pecado mortal se ama a si mesmo sobre todas as coisas e praticamente se antepõe a Deus, o justo ama a Deus mais do que a sí e de resto deve amar-se em Deus e por Deus. Deve amar o seu corpo de tal maneira que sirva a alma, em vez de lhe servir de obstáculo para a vida superior. Há que amar a sua alma conduzindo-a a participar eternamente da vida divina. Há que amar a sua inteligência e vontade, de modo que cada vez participem mais da luz e do amor de Deus. Este é o profundo sentido da mortificação do egoísmo, do amor-próprio e da vontade própria, oposta à vontade de Deus. Há que evitar a que vida desça e pelo contrário, há que fazer que se eleve até Aquele que é a fonte de todo o bem e de toda a beatitude.
O amor desordenado de nós mesmos leva à morte, degundo diz o Senhor: “Quem ama [desordenadamente] a sua vida, perdê-la-á; mas quem odeia [ou mortifica] a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna.” (Jo. 12, 25). Desse amor desordenado, raiz de todos os pecados, nascem as três concupiscências que nomeia São João (1 Jo. 2, 16) quando diz: “Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida - não procede do Pai, mas do mundo.”

Observa São Tomás que os pecados carnais são mais vergonhosos que os do espírito porque nos rebaixa ao nível do animal; mas que os do espírito, os únicos que há no demónio, são mais graves, porque vão directamente contra Deus e nos alheia d’Ele.

A concupiscência da carne é o desejo desordenado do que é ou parece útil à conservação do indivíduo ou da espécie e de este amor sensual provem a gula e a luxúria. A concupiscência dos olhos é o desejo desordenado do que agrada à vista, do luxo, das riquezas, do dinheiro que procura os bens terrenos; dela nasce a avareza. A soberba da vida é o amor desordenado da própria excelência e de todo aquilo que possa fazer realçar. Aquele que se deixa levar pela soberba termina fazendo-se a si mesmo seu próprio deus como Lúcifer. De aqui se vê a importância da humildade, virtude fundamental, como o orgulho é a fonte de todo o pecado.

São Gregório e São Tomás ensinam que a soberba é mais que um pecado capital: é a raiz da qual procedem sobre tudo quatro pecados capitais: vaidade, preguiça espiritual, inveja e ira. A vaidade é o amor desordenado de louvores e de honras, a preguiça espiritual se entristece pensando no trabalho requerido para santificar-se, a ira, quando não é uma indignação justificada mas um pecado, é um movimento desordenado da alma que nos inclina a rejeitar violentamente o que nos desagrada, de donde se seguem as disputas, injurias e vociferações.

Estes pecados capitais, sobre tudo a preguiça espiritual, a inveja e a ira, engendram péssima tristeza que aflige a alma e são tudo o contrário da paz espiritual e do gozo que são os frutos da caridade. Todos estes germens de morte deve o homem não só moderar mas mortificar. A prática generosa da mortificação dispõe a alma a outra mais profunda purificação que Deus mesmo realiza, com o fim de destruir totalmente os germens de morte que todavia subsistem na nossa sensibilidade e em nossas faculdade superiores.

Mas não basta considerar as raízes dos sete pecados capitais; é preciso analisar as suas consequências. Por consequências do pecado se entende geralmente as más inclinações que os pecados deixam no nosso temperamento, ainda depois de apagados pela absolvição. Mas também pode entender-se por consequências dos pecados capitais, os demais pecados que têm sua origem neles.
Os pecados capitais se chamam assim porque são como o princípio de muitos outros; temos primeiro a inclinação até eles, e depois, por eles, até outras faltas e às vezes mais graves. Assim é como a vanglória engendra desobediência, jactância, hipocrisia, disputas, discórdias, ânsia de novidades, pertinácia.
A preguiça espiritual conduz ao desgosto das coisas espirituais e do trabalho na santificação, na razão do esforço que exige e engendra a malícia, o rancor ou amargura pelo próximo, cobardia ante o dever, desânimo, a cegueira espiritual, o esquecimento dos preceitos, e a busca de coisas proibidas.
Assim mesmo a inveja ou desagrado voluntário do bem alheio, como se fosse um mal para nós, engendra o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria do mal alheio e a tristeza por seus triunfos.
A gula e a sensualidade engendram por sua vez outros vícios e podem conduzir à cegueira espiritual, ao endurecimento do coração, ao apego da vida presente até perder a esperança da eterna, e o amor de si próprio até ao ódio de Deus e à impenitência final.
Os pecados capitais com frequência são mortais. Podem existir de uma maneira muito vulgar e baixa, como em muitas almas em pecado mortal, ou bem podem existir também, como o nota São João da Cruz, numa alma en estado de graça como outros tantos desvios da via espiritual. Por isso se fala as vezes da soberba espiritual, da gula espiritual, da sensualidade e da preguiça espiritual. A soberba espiritual inclina, por exemplo, a fugir daqueles que nos dirigem repreensões, ainda que tenham autoridade para tal e no-lo dirigem justamente; também pode levar-nos a guardar-lhes algum rancor no nosso coração. Quanto à gula espiritual, poderia fazer-nos desejar consolos sentimentais na piedade, até ao ponto de procurar-nos mais nela do que o próprio Deus. É com o orgulho espiritual, a origem do falso misticismo. Felizmente, à diferença das virtudes, estes vícios não estão conexos, isto é, se podem possuir uns sem os outros, e muitos são até contrários: assim, não é possível ser avarento e pródigo ao mesmo tempo.

A enumeração de todos estes tristes frutos do transbordado amor a si mesmo deve levar-nos a fazer um sério exame de consciência e nos ensina, ademais, que o terreno da mortificação é muito extenso, se queremos viver uma profunda vida cristã.

O exame de consciência, longe de nos apartarmos do pensamento de Deus, nos volve a Ele. E ainda é preciso pedir-lhe a sua luz para ver um pouco a alma como Deus mesmo a vê, para ver o dia ou a semana que passou, como se os víssemos escritos no livro da vida, como o veremos o dia do último juízo. Por isto temos de passar cada noite, com e humildade e contrição, as faltas cometidas de pensamento, palavra, acto e omissão. No exame há que se evitar a minuciosa investigação das mais pequenas faltas, tomadas em sua materialidade, pois semelhante esforço poderia nos fazer cair nos escrúpulos e esquecer as coisas mais importantes. Trata-se menos de fazer uma completa enumeração das faltas veniais do que investigar e acusar sinceramente o princípio de onde geralmente procedem em nós.
A alma não deve deter-se demasiado na consideração de si mesma, desejando ver Deus. Deve, ao contrário, perguntar-se, dirigindo-se a Deus: “Como julgará Deus este dia ou esta semana agora terminada? Tereis buscado Deus ou tereis buscado antes a mim? “
Assim, sem perturbação, a alma tem de se julgar desde um plano elevado, à luz dos divinos preceitos, tal como se julgará no último dia. Mas como disse Santa Catarina de Siena, não separaremos a consideração de nossas faltas do pensamento da infinita misericórdia. Olhemos para nossa fragilidade e miséria à luz da infinita bondade de Deus que nos levanta.
O exame feito deste modo, longe de nos desanimarmos, aumentará a nossa confiança em Deus.

Avistar os nossos pecados nos faz assim compreender, por contraste, o valor da virtude. O que melhor nos faz compreender quanto vale a justiça, é a dor que a injustiça nos produz. É preciso a visão da injustiça que cometemos e o pesar de tê-la cometido faça nascer em nós a “ fome e sede de justiça”. É necessário que, por contraste a formosura da pureza; que a desordem da ira e da inveja nos faça compreender o alto valor da mansidão e da caridade; que as aberrações da soberba nos ilustrem sobre a alta sabedoria da humildade.
Peçamos a Deus que nos inspire um santo aborrecimento do pecado que nos separa da divina bondade, da que tantos benefícios recebemos e temos de esperar para o vindouro. Esse santo ódio do pecado não é, em certo modo, senão o reverso do amor de Deus. É impossível amar profundamente a verdade sem detestar a mentira; amar de coração o bem, e o soberano Bem que é Deus, sem que simultaneamente detestemos o que nos separa de Deus. A maneira de evitar a soberba é pensar com frequência nas humilhações do Salvador e pedir a Deus a virtude da humildade. Para reprimir a inveja temos de rogar pelo próximo, desejando-lhe o mesmo bem que para nós desejamos. Aprendamos igualmente a reprimir os movimentos da ira, afastando-nos dos objectos que a provocam, e agindo e falando com doçura. Esta mortificação é absolutamente indispensável. Pensemos que temos que salvar nossa alma e que no nosso redor há muito bem para fazer, sobretudo na ordem espiritual. Não deitemos no esquecimento que devemos trabalhar para o bem eterno dos demais, para consegui-lo, os meios que o Salvador nos ensinou: a morte progressiva ao pecado, mediante o progresso nas virtudes e sobretudo no amor de Deus.

[Stat Veritas, REGINALDO GARRIGOU-LAGRANGE, “Las tres edades de la vida interior”, (2007). DE LOS PECADOS QUE SE HAN DE EVITAR, SUS RAÍCES Y CONSECUENCIAS , em: http://www.statveritas.com.ar/Espiritualidad/Garrigou-Lagrange-01.htm, acedido a 04/05/2007]

quinta-feira, maio 03, 2007

A Fé

Diz-nos Santo Agostinho sobre a Fé:

"Fides si non cogitatur nulla est" ("De praedestinatione sanctorum", 5; PL 44, 963).

"A Fé, sem razão, é nula" (1)
.........................................................

O Concílio Vaticano I também nos fala sobre a Fé, e diz entre outras definições:

1797. Porém, ainda que a fé esteja acima da razão, jamais pode haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé, dotou o espírito humano da luz da razão; e Deus não pode negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer à verdade. A vã aparência de tal contradição nasce principalmente ou de os dogmas da fé não terem sido entendidos e expostos segundo a mente da Igreja, ou de se terem as simples opiniões em conta de axiomas certos da razão. Por conseguinte, "definimos como inteiramente falsas qualquer asserção contrária a uma verdade de fé" [V Concílio de Latrão]. (2)

1810. Cân. 1 – Se alguém afirmar que a razão humana é de tal modo independente, que Deus não possa impor-lhe a fé – seja excomungado [cf. nº 1789] (3)

1816. Cân. 1 - Se alguém disser que na revelação divina não há nenhum mistério verdadeiro e propriamente dito, mas que todos os dogmas da fé podem ser compreendidos e demonstrados pela razão, devidamente cultivada, por meio dos princípios naturais – seja excomungado [cf. nº 1795 sq]. (4)

Portanto, a partir destes textos conclui-se que não há contradição entre a Fé e a razão. E que um mistério divino não pode ser absolutamente conhecido pela razão, pois caso contrário deixaria de ser mistério, mas obviamente esse mistério não é irracional, mas racional, embora não totalmente ententido pela nossa razão.

No Catecismo(5) on-line do vaticano aind podemos encontrar estas defenições de fé:

176 A fé é uma adesão pessoal do homém inteiro a Deus que se revela. Compreende uma adesão da inteligência e da vontadade à Revelação que Deus fez de si mesmo mediante as suas obras e suas palavras.
177 "Crer" entranha, pois, uma dupla referência: à pessoa e à verdade; à verdade por confiança na pessoa que a testifica.
178 Não devemos crer em ninguem que não seja Deus, Pai, Filho, e Espírito Santo.
179 A fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem necessita os auxilios interiores do Espírito Santo.
180 "Crer" é um acto humano, consciente e livre, que corresnponde à dignidade da pessoa humana.
181 "Crer" é um acto eclesial. A Fé da Igreja, precede, engendra, conduz e alimenta nossa fé. A Igreja é a mãe de todos os crentes. "Ninguém pode ter a Deus por Pai se não tem a Igreja por mãe" ( S. Cipriano, unit. eccl.: PL4,503A).
182 "Cremos em todas aquelas coisas que se contêm na palavra de Deus escrita ou tranmitida e são propostas pela Igreja...para serem acreditadas como divinamente reveladas. (Paulo VI, SPF 20)
183 A fé é necessária para a salvação. O senhor mesmo o afirma: " Aquele que crê e seja baptisado se salvará; o que não crê, se condenará" (Mc 16,16).
184 "A fé é um gosto antecipado do conhecimento que nos fará bem-aventurados na vida futura" ( S. Tomás de A., comp. 1,2).

A fé é uma das três virtude teologais -- a saber: Fé, Esperança e Caridade -- porque é infundida (tal como as outras duas virtudes teologais) por Deus (ver ponto 179 acima) na alma dos fieis para faze-los capazes de obrar como seus filhos e merecer a vida eterna.

Assim, o catecismo define a Fé:

A Fé
1814 A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em todo o que Ele nos disse e revelou, e que a Santa Igreja nos propõe, porque Ele é a própria verdade. Pela fé ' o homem se entrega inteira e livremente a Deus' (DV 5). Por isso o crente se esforça por conhecer e fazer a vontade de Deus. ' O justo viverá pela fé' (Rm 1, 17). A fé viva 'actua pela caridade' ( Gal 5,6).

1815 O dom da fé permanece no que não pecou contra ela (cf Cc. Trento: DS 1545). Mas, ' a fé sem obras está morta' ( St 2, 26): privada da esperança e da caridade, a fé não une plenamente o fiel a Cristo nem faz dele um membro vivo do seu corpo.

1816 O discípulo de Cristo não deve só guardar a fé e viver dela senão também professa-la, testemunha-la com firmeza e dinfundi-la: " Todos vivam preparados para confessar a Cristo diante dos homens e seguir-lhe pelo caminho da cruz por meio de perseguições que nunca faltam à Igreja" ( LG 42; cf DH 14). O serviço e o testemunho da fé são requeridos para a salvação: 'Todo aquele que se declara por mim ante os homens, eu também me declararei por ele ante meu Pai que está nos céus; mas a quem me megue ante os homens, o negarei também ante meu Pai que está nos céus' (Mt 10, 32-33).
Em suma: a Fé não se sente, nem é sentimental, é racional. É uma adesão da inteligência e da vontade à revelação de Deus que não pode mentir, nem enganar-se nem enganar-nos. A Fé não é uma adesão irracional nem sentimental ao sentimento romântico como se quer fazer crer no seio da Igreja Católica, principalmente por alguns membros do clero.
Acto de Fé
Meu Deus, eu creio tudo o que Vós revelastes e a Santa Igreja nos ensina, porque não podeis enganar-Vos nem enganar-nos.
E, expressamente, creio em Vós, único e verdadeiro Deus em três pessoas iguais e distintas: Pai, Filho e Espírito Santo; e creio em Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado, morto e ressuscitado por nós, e que a cada um dará, segundo as suas obras, o prémio ou o castigo eterno. Nesta fé quero viver e morrer.
Senhor, aumentai a minha fé. Ámen. (7)

Actus fidei
Dómine Deus, firma fide credo et confíteor ómnia et síngula quæ sancta Ecclésia Cathólica propónit, quia tu, Deus, ea ómnia revelásti, qui es ætérna véritas et sapiéntia quæ nec fállere nec falli potest.In hac fíde vívere et mori státuo. Amen. (7)

(2) Associação Cultural Montfort, Documentos, Concílios. Concílio Vaticano I, Sessão III - Constituição Dogmática Sobre a Fé Católica. Capítulo IV - A Fé a Razão, parágrafo 1797 (1869 - 1870), em http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=vaticano1&lang=bra#s3cap3, acedido a 09/05/2007

(3) Associação Cultural Montfort, Documentos, Concílios. Concílio Vaticano I, Cânones sobre a Fé (1869 - 1870), em http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=vaticano1&lang=bra#s3cap3, acedido a 10/05/2007
(4) Associação Cultural Montfort, Documentos, Concílios. Cânones sobre a fé e a razão (1869 - 1870), em http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=vaticano1&lang=bra#s3cap3, acedido a 10/05/2007

(5) A Santa Sé, Arquivo, O catecismo da Igreja Católica, em http://www.vatican.va/archive/ESL0022/__P12.HTM, acedido a 31/05/2007

(6) A Santa Sé, Arquivo, O catecismo da Igreja Católica, em http://www.vatican.va/archive/ESL0022/__P67.HTM, acedido a 31/05/2007

(7) A Santa Sé, Arquivo, O Catecismo da Igreja Católica - Compêndio. Apêndice, Orações Comuns, Acto de Fé, em http://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendium-ccc_po.html#A)%20ORAÇÕES%20COMUNS, acedido a 09/05/2007